segunda-feira, 21 de março de 2011

INDICAÇÃO DE LEITURA PARA O PRÓXIMO HTPC...

POR UMA EDUCAÇÃO BÁSICA DE QUALIDADE
Introdução
Ao longo das três últimas décadas, tanto na América Latina como em outras regiões do planeta, houve avanços expressivos no campo da oferta de educação escolar pública, que no Brasil, e em relação ao Ensino Fundamental, está muito próxima da universalização. Embora tenha havido também certa tendência de ampliação do acesso na Educação Infantil e especialmente no Ensino Médio, muito ainda há por ser feito para que se atinja o nível de atendimento verificado nos países mais avançados.
Esse crescimento é resultado de pressão constante e cada vez maior da população para acesso à educação escolar, acompanhada de respostas positivas no sentido de atender às aspirações populares.
Os preceitos constitucionais no campo da educação, presentes na Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, como foi denominada pelo deputado Ulysses Guimarães, bem como toda a legislação que se seguiu à Carta Magna (Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, Plano Nacional de Educação, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB) e as mais de vinte reformulações da LDBEN em vigor atestam o êxito alcançado pelas pressões populares, ao menos do ponto de vista da legislação educacional.
Em consequência, a política educacional adotada pelos diferentes governos voltou-se para a inclusão de segmentos sociais antes marginalizados no processo de escolarização, empregando esforços e recursos na ampliação do número de matrículas, particularmente no Ensino Fundamental.
Com a etapa da universalização do acesso praticamente cumprida, a questão que ora se coloca para os responsáveis pela administração pública consiste em melhorar a qualidade da educação oferecida para o conjunto da população e que, na sua maioria, é de responsabilidade do poder público, em suas diversas esferas administrativas.
Além da inclusão crescente de camadas sociais diferenciadas, tem merecido destaque nas duas últimas décadas a preocupação com a formação dos professores, com mudanças nos estilos de gestão e administração, destinados a conceder maior nível de autonomia aos estabelecimentos escolares, bem como com a renovação dos conteúdos curriculares e com a incorporação de novas tecnologias de informação e comunicação – TIC nas escolas. A busca de uma nova organização dos sistemas e das escolas e a redefinição de seu papel na sociedade contemporânea são responsáveis por uma ampla reforma da legislação educacional, consubstanciada na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – Lei nº 9.394, de 20/12/1996) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais, voltadas para a formação dos docentes para a educação básica.
Diante desse breve diagnóstico, o relatório da comissão mista criada no âmbito do Conselho Estadual de Educação de São Paulo – CEESP, parte integrante do Parecer CEE nº 78/2008, apontava pelo menos três condições necessárias para uma educação básica de qualidade, a saber:
1. profissionais envolvidos no trabalho educativo, particularmente docentes, com competência pedagógica, conhecimento específico sólido e comprometimento com o trabalho;
2. escolas equipadas com recursos materiais e tecnológicos que atendam, ainda que basicamente, às necessidades do ensino que ministram;
3. opção por estilos de gestão e administração que favoreçam a autonomia da escola, o exercício de liderança pelos gestores escolares e que privilegiem o trabalho em equipe, constituída por profissionais harmonizados com os objetivos da escola.
O baixo desempenho dos alunos, embora com ligeira melhora nos últimos anos, demonstrada pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB, está associado ao fato de não terem sido ainda preenchidas essas condições.
As condições materiais e tecnológicas são fatores relevantes e podem, muitas vezes, constituir obstáculos para o desenvolvimento de um trabalho de qualidade, influindo, inclusive, na motivação e autoestima do elemento humano.
Todavia, pesquisas recentes apontam a deficiência da formação docente como uma das principais explicações para o baixo impacto das reformas nos processos pedagógicos. Tudo indica que a reversão desse quadro implica políticas que priorizem investimentos nos profissionais das escolas, não apenas na sua formação inicial, mas também em projetos de educação continuada em serviço.
Se no âmago da questão está a consideração do fator humano e de sua valorização, é necessário voltar as atenções para os profissionais que atuam no sistema, oferecendo-lhes oportunidade de uma formação de qualidade, seja inicial ou contínua, e, ao mesmo tempo, satisfação e compromisso com o trabalho que desenvolvem.
Vista sob outra perspectiva, a formação docente deve ser atrelada às necessidades específicas do ofício de ensinar, buscando as melhores práticas que garantam e resultem na efetiva aprendizagem dos conteúdos propostos. Assim, para além do domínio dos conteúdos, deve-se assegurar ao professor, em sua formação, a possibilidade de conhecer e criar sequências didáticas centradas na aprendizagem dos alunos.
Para tanto, condição sine qua non neste processo é a garantia de um tempo de aprendizagem que respeite características individuais e condições sociais do aluno, cuidando-se para que necessidades específicas sejam detectadas e atendidas até que todos possam alcançar as metas propostas relativas às diretrizes pedagógicas.
Estruturar esse tempo e todas as atividades que lhe são correlatas é o objetivo da reorganização do Ensino Fundamental obrigatório na rede pública estadual ora proposto.

A reorganização do Ensino Fundamental em ciclos de aprendizagem
A Constituição Federal de 1988 bem como a LDBEN determinam que os estabelecimentos de Ensino Fundamental que utilizam a organização do ensino por
série podem adotar o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino, primando pelo direito do cidadão a uma educação de qualidade.
A análise detalhada da LDBEN aponta para uma concepção de educação que se desdobra em três princípios:
1º. Todos são capazes de aprender.
2º. É dever da escola propiciar situações de aprendizagem que valorizem as experiências dos estudantes.
3º. É responsabilidade da escola a construção da proposta pedagógica (autonomia escolar) e adoção do princípio da gestão democrática.

A adoção desses princípios implica a necessidade de se romper com práticas seletivas, antidemocráticas e de exclusão.
Com a volta do regime democrático, a partir do fim do regime de exceção implantado pelo Ato Institucional nº 5, de 1968, e com as eleições diretas para os governos estaduais, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo – SEESP instituiu no ano de 1983 o Ciclo Básico – CB, que abrangia num único segmento as antigas 1ª e 2ª séries do antigo Ensino de 1º grau (hoje Ensino Fundamental, com o ingresso da criança aos seis anos de idade e duração de nove anos).
Na sequência, e como decorrência da criação do CB, a SEESP, por meio de sua Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – CENP, iniciou um processo de revisão curricular que culminou nas Propostas Curriculares e que propôs a organização do Ensino de 1º grau em três ciclos de estudos (CB; Ciclo Intermediário – reunindo num único segmento as antigas 3ª, 4ª e 5ª séries; e Ciclo Final – 6ª, 7ª e 8ª séries). Já quase no final dos anos 1990, a Prefeitura Municipal de São Paulo, na gestão Luiza Erundina, também instaurou três ciclos no Ensino Fundamental1. A organização do Ensino de 1º grau em três ciclos de estudos não prosperou na SEESP, em decorrência da nova orientação que surgiu na passagem do governo Franco Montoro para o governo Orestes Quércia, permanecendo em vigor, portanto, apenas o CB.
A partir de 1998, com base em indicação do Conselho Estadual de Educação (Indicação CEE nº 8/1997), sustentado pelo que dispõe o artigo 32 da LDBEN, foi implantado em toda rede pública estadual o regime de progressão continuada.
De acordo com Oliveira (1998), a presença da progressão continuada leva os professores a analisar suas concepções sobre o papel e as finalidades do Ensino Fundamental na sociedade brasileira contemporânea e o significado do processo de aprendizagem de seus alunos.
Na prática, o regime de ciclos adotado pela progressão continuada na rede estadual de São Paulo tinha como meta regularizar o fluxo de alunos ao longo da escolarização, a fim de assegurar a todos o cumprimento dos anos de estudo previstos para o ensino obrigatório, sem as interrupções e retenções que inviabilizam a aprendizagem efetiva e uma educação de qualidade (BARRETO, 2003).
O que se pretende com o regime de ciclos é respeitar o ritmo de aprendizagem de cada estudante, de modo que toda a aprendizagem e conhecimento, construídos ao longo de um ano escolar, deixem de ser menosprezados (NEUBAUER, 2001).
Todavia, para que se garanta um aprendizado de qualidade, dois fatores, entre outros, precisam ser levados em consideração para que o regime de ciclos produza bons resultados e não signifique promoção sem aprendizado real:
1. adoção de processos de avaliação contínua da aprendizagem, para que sejam detectadas, o mais cedo possível, as dificuldades que não foram vencidas ao longo de cada bimestre;
2. implantação de um programa de reforço e de recuperação contínua e paralela, para os estudantes que apresentam lacunas na aprendizagem dos conteúdos trabalhados a partir da proposta curricular e do projeto pedagógico de cada escola. Lacunas essas que impedem que o estudante prossiga os estudos com êxito (AZEVEDO, 2007).

Fala-se muito na resistência dos professores em aceitar a organização do ensino em ciclos com progressão continuada. Pode-se afirmar que as maiores dificuldades decorrem, sobretudo, da falta de condições estruturais nas escolas para que essa organização produza os resultados almejados por todos.
Dentre esses entraves, destacam-se:
1. falta de espaços para que ocorra a recuperação paralela no contraturno, pois tanto na região metropolitana da Grande São Paulo, quanto em algumas regiões do interior do Estado, há escolas com todas as salas ocupadas;
2. mobilidade do corpo docente, acrescida da falta de professores em alguns componentes curriculares.

Entretanto, é preciso salientar que, em muitas escolas, o corpo docente está estabilizado e há salas ociosas que podem ser utilizadas para recuperação do aprendizado no contraturno. Na ausência de tais condições, há que se pensar em algumas estratégias, como, por exemplo, a cada avaliação bimensal, a suspensão das aulas para que os estudantes em defasagem possam participar de estudos de recuperação do conteúdo não apreendido. Neste período, os demais alunos seriam encaminhados para atividades curriculares diversificadas.
O importante, como assinala a Indicação CEE n° 8/1997, “é que a conclusão do Ensino Fundamental torne-se regra geral para todos os jovens aos 14 ou 15 anos de idade, o que significa concretizar a política educacional de proporcionar educação fundamental em oito anos [atualmente nove anos] a toda a população paulista na idade própria. Essa mesma política deve estar permanentemente articulada com o compromisso com a contínua melhoria da qualidade do ensino”.
Cumpre ressaltar, entre os efeitos positivos, mesmo no regime de progressão continuada em dois ciclos longos, como aponta Vasconcelos (2008): a) queda vertiginosa dos índices de evasão e b) desaparecimento da figura do aluno multirrepetente, “[...] que não logrando êxito após várias tentativas e consequentes reprovações, acabava por evadir-se da escola (muitas vezes com o apoio e decisão da própria família) [...]” (VASCONCELOS, 2008, p. 80).

A mudança dos ciclos
O tema da duração dos ciclos sempre esteve presente nas discussões com os professores e demais profissionais da educação, embora a maioria entendesse não ser
este o ponto central, mas sim a questão do acompanhamento e da avaliação do aprendizado dos estudantes. Em outras palavras, em muitas escolas, por falta de condições, não se conseguiu implementar a recuperação contínua e paralela ao desenvolvimento dos conteúdos curriculares, situação agravada com a longa duração do ciclo.
Diante dessa situação, realizou-se em São Paulo, em 25 de junho de 2002, com a presença de 420 profissionais ligados à área da Educação, o Fórum de Debates “Progressão Continuada: Compromisso com a Aprendizagem”, promovido pela SEESP. Participaram do Fórum: dirigentes de ensino, supervisores de ensino, assistentes técnicos pedagógicos – ATPs; diretores de escola, representantes de Associações de Pais e Mestres – APMs, Conselho de Escola; Conselho Estadual de Educação – CEESP; Universidade de São Paulo – USP, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP; entidades de classe (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo – APEOESP, Sindicato de Supervisores do Magistério no Estado de São Paulo – APASE, Centro do Professorado Paulista – CPP, Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo – UDEMO e Associação dos Professores Aposentados do Magistério Público do Estado de São Paulo – APAMPESP); além de órgãos centrais da SEESP e da Fundação para o Desenvolvimento da Educação – FDE.
Da leitura do relatório do Fórum depreende-se que ele se caracterizou num momento importante para reflexão sobre as questões que envolviam a progressão continuada. Os participantes manifestaram-se opinando da seguinte maneira:
• 77,0% afirmaram haver falta de entendimento na rede da distinção existente entre progressão continuada e promoção automática;
• 77,0% afirmaram como fator que dificultava o avanço da progressão continuada “a formação acadêmica precária do professor para trabalhar com diferentes formas de organização do ensino”;
• 74,9% apontaram ter sido insuficiente a discussão entre os órgãos centrais da SEESP com os professores e a comunidade sobre a progressão continuada;
• 65,5% relataram “capacitação insuficiente destinada aos professores para trabalhar com a progressão continuada”;
• 51,2% se referiram à “inadequação da estrutura escolar (seriação, currículo, reforço, avaliação) ao novo sistema”.
Quanto ao posicionamento em relação à organização do Ensino Fundamental em ciclos, 92,7% permaneceram favoráveis; 1,0% permaneceu desfavorável; 4,2% passaram a ser favoráveis e 2,1% não responderam.
Na sequência, a partir de 2003, a SEESP adotou algumas medidas de cunho pedagógico para oferecer um efetivo apoio às escolas. Como relata Telma Weisz,
Em 2003 a SEESP assumiu o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, o PROFA. Em sua versão paulista este programa foi rebatizado e passou a chamar-se Letra e Vida [...]. Em quatro anos (2003-2006) foram formados em São Paulo aproximadamente 900 Coordenadores Gerais e de Grupos que por sua vez atenderam cerca de 38.000 professores cursistas. (WEISZ, 2010, p.21)
A partir de 2006, a SEESP realizou uma série de reuniões com representantes dos diversos segmentos profissionais, com a finalidade de coletar, diretamente, opiniões, impressões, sugestões, reivindicações e questionamentos a respeito do dia a dia das escolas da rede estadual. De acordo com o relato feito por Vasconcelos,
A afirmação mais frequentemente ouvida referia-se à forma como o regime foi implantado, segundo os professores, com pouca participação da rede e sem tempo para absorção da mudança. Ora, é sabido que o professor só assume como sua, a ideia previamente conhecida, debatida, “re-elaborada”. (VASCONCELOS, 2008, p. 82).
Durante os debates, várias afirmações, que até hoje povoam o imaginário docente em relação à progressão continuada, foram feitas. Dentre elas, como aponta Vasconcelos (2008, p.82), destacam-se:
• a implantação dos ciclos teria diminuído a importância da aprendizagem dos alunos;
• os alunos não seriam mais avaliados e passariam a ser promovidos automaticamente;
• a progressão seria uma “invenção” do governo;
• a progressão poderia vir a ser um incentivo às faltas;
• o aluno seria promovido mesmo sem ter aprendido.
Embora essas afirmações possam ser consideradas equivocadas, “[...] os números das pesquisas (SAEB, SARESP, PISA e outros) relativas ao desempenho escolar dos alunos do ensino fundamental apontavam para o fato de que esse nível de ensino, no tocante à aprendizagem, carecia, ainda, de qualidade.” (VASCONCELOS, 2008, p. 82).
Em 30 de novembro de 2006 foi publicada a Resolução SE nº 79, que estabelece que o professor de 2ª série deve permanecer com seus alunos da 1ª série do ano anterior. Desse modo, as duas séries configuravam um ciclo de aprendizagem de dois anos, restabelecendo, portanto, o tipo de organização presente no antigo CB. Ainda de acordo com a resolução, o mesmo deveria acontecer com as séries seguintes, configurando uma reorganização do Ensino Fundamental em ciclos de dois anos, como, aliás, já adotado por ocasião da elaboração dos PCN pelo Ministério da Educação, a partir de 1997, no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Em 2007, durante o governo José Serra, a SEESP implantou na rede estadual o Programa Ler e Escrever :
“que, diferentemente dos anteriores, foi oficialmente assumido como política pública desde o seu início. Isto é, não era mais um grupo de educadores que se dispunha a, voluntariamente, fazer a diferença. Houve, por exemplo, a necessidade de mudar normas e legislação para garantir as condições de funcionamento minimamente necessárias. Só uma política pública poderia produzir material didático impresso (a tradição no Brasil é o Estado comprar material didático das editoras privadas para distribuir gratuitamente) para professores e alunos, tanto os das escolas estaduais como os das escolas municipais que se integraram ao Programa. E, como cabe a uma política pública, o Ler e Escrever não está focado na formação em serviço dos professores individualmente, mas foi pensado como um conjunto de ações cujo objetivo é fazer avançar a qualidade do ensino oferecido em cada escola (WEISZ, 2010, p, 21).”

(...)

Proposta de reorganização dos ciclos em progressão continuada
Com base nos considerandos e princípios retroelencados propõe-se:
I. O Ensino Fundamental passa a ser reorganizado da seguinte forma:
Ciclo I de Aprendizagem: duração de três anos (6, 7 e 8 anos de idade);
Ciclo II de Aprendizagem: duração de dois anos (9 e 10 anos de idade);
Ciclo III de Aprendizagem: duração de quatro anos (de 11 a 14 anos de idade).

II. Ao final de cada bimestre será realizada avaliação do aprendizado, conduzida pela própria escola, com orientação da equipe de Supervisão da Diretoria de Ensino. Aos alunos com defasagem no aprendizado serão obrigatoriamente oferecidos estudos de recuperação, a serem estruturados de acordo com as condições de cada escola, por exemplo, e apenas como exemplos:
a. estudos de recuperação no contraturno;
b. suspensão das aulas por uma semana para que os alunos em defasagem possam recuperar os conteúdos não aprendidos. Simultaneamente, aos estudantes que tiverem desempenho adequado serão oferecidas oportunidades para estudos de diversificação curricular durante esse período;
c. oferecimento de estudos de recuperação em estabelecimento mais próximo daquele em que os estudantes estejam matriculados. Neste caso será providenciado transporte escolar (criação de escolas-polo para atividades de reforço);
d. sempre que possível, o professor deverá acompanhar a mesma turma ao longo do ciclo.

A proposta pedagógica de cada escola poderá criar outros mecanismos para oferta de estudos de recuperação. O importante é que eles aconteçam.
Ao final de cada Ciclo de Aprendizagem, os alunos que ainda apresentarem defasagens de conteúdos serão encaminhados para o reforço intensivo de aprendizagem (PIC). Desse modo, serão oferecidas três oportunidades de reforço intensivo de aprendizagem. A duração de cada período de reforço deverá ser fixada na proposta pedagógica de cada escola, sob orientação da Supervisão de ensino e da Oficina Pedagógica de cada Diretoria de Ensino.
A escola pode ainda entender que o estudante com defasagem de conteúdos seja matriculado no ciclo seguinte, desde que no contraturno, ou que curse, em outra escola, os conteúdos para os quais foi considerado em defasagem. Não havendo essa possibilidade, o aluno será considerado retido.
A seguir, apresentamos alguns depoimentos de especialistas da educação que poderão nos ajudar na discussão e revisão da organização do Ensino Fundamental em ciclos com progressão continuada nas escolas estaduais paulistas.

De acordo com estudos realizados por ALVES e DURAN (2011):
A organização do Ensino Fundamental em três ciclos, com progressão continuada, significa:
1. Ampliar as oportunidades de permanência com sucesso, na escola pública, de crianças das classes mais desfavorecidas, no período de escolarização obrigatória.
2. Considerar a realidade do corpo discente, com a possibilidade de maior flexibilidade na organização curricular, no reagrupamento dos alunos, na composição das classes e sua reorganização, no decorrer do ano letivo, o que não significa uma prática indiscriminada de remanejamentos.
3. Restabelecer a avaliação escolar formativa e seu papel de subsidiar o trabalho pedagógico do professor, oferecendo elementos para ele rever sua prática e aperfeiçoá-la em função do aproveitamento do aluno. Tal perspectiva de avaliação implica em um trabalho paralelo com os alunos, no decorrer do ano letivo, de forma a garantir um acompanhamento efetivo. A reorganização das turmas, em cada ciclo, oferecendo oficinas nas disciplinas do currículo, por inscrição dos próprios alunos é uma forma produtiva e não discriminatória de recuperação paralela. A recuperação no fim do período tem-se mostrado insuficiente e inadequada para garantir a aprendizagem do aluno.

Proporcionar espaços para a elaboração de propostas mais conectadas com a vida e a experiência dos alunos, levando em consideração as orientações curriculares.
5. Alfabetizar os alunos, enfrentando o desafio de colocar a criança em contato direto e permanente com a leitura e a escrita. A avaliação dos níveis de hipótese de escrita da criança é uma prática de pesquisa e não de ensino e de avaliação do rendimento. O conhecimento de hipóteses de escrita da criança deve resultar de observação direta e permanente do professor, no cotidiano da sala de aula.
6. Organizar a jornada do professor, com horas de trabalho pedagógico que envolve, entre outros, estudo e planejamento, troca de experiências e avaliação do trabalho docente, contando com aulas de educação física e artes (com professores especialistas nos ciclos iniciais) e de forma a garantir o trabalho coletivo na escola.
7. Oportunizar o planejamento e ação conjunta dos docentes do Ensino Fundamental com coordenação pedagógica.
8. Reconhecer a importância da formulação e desenvolvimento de uma política educacional comprometida com a aprendizagem considerando que o que muda de escola para escola é a iniciativa da comunidade escolar, juntamente com o comprometimento dos profissionais da escola e do sistema de ensino para com as políticas adotadas. A simples presença dos alunos nas escolas públicas não pode ser entendida como inclusão social e, muito menos, com a comprovação de que foram erradicados os graves problemas de analfabetismo (ou do chamado analfabetismo funcional) que compõem as estatísticas de educação no país.
9. Organizar e desenvolver um programa de formação continuada para o conjunto de educadores da rede de ensino. Esse programa exige que se contemple uma tríplice perspectiva: a primeira de abrangência geral, envolvendo os princípios da política educacional adotada, utilizando-se para isso a educação à distância; a segunda abrangendo os dirigentes do sistema de ensino – supervisores e diretores de escola e outros agentes – e a terceira envolvendo os professores de cada região, com a organização de grupos de estudo, de forma sistemática e contínua.
10. Acompanhamento permanente, por meio de pesquisa de campo, sobre como os professores, diretores, supervisores, coordenadores pedagógicos e demais participantes da rede avaliam, em momentos distintos do processo, a política educacional adotada.

Para Gatti (2003),
Pensar a educação a partir da unidade escolar como uma unidade sociológica, que tem uma função social a cumprir, é extremamente importante. Ela congrega as crianças e, por seu intermédio, a família; ela congrega os docentes que vão ali trabalhar; os especialistas; o diretor. E é nela que as políticas públicas se concretizam, da maneira como historicamente isso é possível, porque é no fazer cotidiano que nós estamos agindo, podendo transformar as coisas.
[...]
Outra questão a considerar é o tempo histórico para se instalar uma nova cultura – a progressão continuada exige uma nova postura pedagógica. Uma mudança dessa natureza depende, sim, de quem está no cotidiano escolar. Não só, mas depende muito. Porque o diretor vai para a escola e lá ele tem a sua jornada, assim como o professor, que desenvolve o seu trabalho na escola e está diante de um fato, tem que ensinar. O diretor tem que fazer a escola funcionar e aquele cotidiano está nas suas mãos, sob o seu olhar.
[...]
Nesse sentido é que eu deixo aqui minha opinião de que o sucesso da progressão continuada está, sim, numa escola que funcione de maneira totalmente diferente dessa que vem funcionando. Os regimentos têm que ser flexíveis. E eles têm que ser muito diferenciados, de escola para escola, conforme a condição em que ela se encontra, atendendo a uma proposta de trabalho efetivo que a escola venha a fazer.
[...]
[...] não creio que os alunos simplesmente não estejam aprendendo nada. Não posso crer. Quando vejo os resultados de um SAEB, por exemplo, que é uma avaliação nacional, independente, e com uma metodologia que não implica que a criança tenha decorado isso ou aquilo, o desempenho dela é bom para uma situação de prova para a qual ela não se preparou. Ela não teve o programa na mão, mas vai lá e responde. Não dá para esperar que responda cem por cento, porque é uma prova para a qual ela não se preparou. E o desempenho dos alunos é bem razoável. E eu diria que em alguns caos é bom. Então, não dá para acreditar que essas crianças não estejam aprendendo nada. A não ser que eu queira ofender profundamente os professores que estão em sala de aula. E ofender profundamente os diretores.
[...]
Em Educação, precisamos nos apegar muito mais ao sentido público do que é fazer educação, do que ao sentido particularizado, vinculado a um desejo, a uma idiossincrasia ou a uma política específica.

Para Leme (2003),
As reformas escolares sucessivas confrontam-se em larga medida com os mesmos problemas: a desigualdade de oportunidades, o fracasso escolar, a dificuldade de encarar a heterogeneidade, de tornar a avaliação mais formadora, de dar sentido ao trabalho escolar, de construir a cidadania, de aprender a trabalhar melhor em conjunto, de colocar os educandos no centro da ação pedagógica, etc.
[...]
[...] não se pode modificar as práticas pedagógicas, as representações, as culturas profissionais por decreto; é inútil decretar administrativamente que o corpo de professores forme uma equipe, pois a cooperação vincula-se mais a uma cultura profissional do que a estruturas formais. Não se muda a escola mediante novas leis. Ou a inovação é criada na própria escola ou então, vinda de fora, deve vir acompanhada de mecanismos que permitam ser ela apropriada pelos professores e reconstruída no seu contexto.
[...]
Finalmente, qualquer que seja a reforma escolar pretendida não se pode esquecer de alguns princípios básicos para a sua consecução:
1. uma reforma escolar não pode ser concebida como marca de um certo governo ou partido político, mas como renovação demandada por uma nova realidade;
2. as autoridades educacionais não podem desconsiderar a infraestrutura e as condições reais de trabalho, devendo promover as mudanças necessárias nas estruturas das escolas. Por infraestrutura e condições de trabalho necessárias à implementação dos ciclos de aprendizagem, entendemos, no mínimo:
a. salas disponíveis para os programas de reforço e os estudos de recuperação paralela;
b. professores habilitados e capacitados para promover esses estudos;

jornada docente compatível com um trabalho mais individualizado;
d. turmas menores;
e. classes menos heterogêneas;
f. readequação da grade curricular;
g. materiais próprios específicos para o trabalho com alunos com dificuldades;
h. espaços especializados de aprendizagem: biblioteca, laboratório, sala de informática e multimeios, etc.;
3. não se pode supervalorizar a relação professor/aluno. O rendimento do aluno não depende, simplesmente, do trabalho docente; o professor não pode ser apontado como o grande culpado das mazelas da educação;
4. não se pode supervalorizar a relação escola/aluno; os profissionais da educação não são “especialistas em relações humanas”; escola é sociedade; escola não é sinônimo de família;
5. abolir ou limitar a repetência deve ser o objetivo de toda reforma coerente; no entanto, aprovar quem não alcançou os objetivos mínimos da série é frustrante para o docente e acaba jogando o aluno na vala comum dos incompetentes e dos fracassados socialmente;
6. não se pode descaracterizar a relação professor/aluno; essa relação deverá ser, sempre, amistosa, democrática e participativa, mas não poderá, em hipótese alguma, ser confundida com igualdade. A relação pedagógica deve embasar-se em uma hierarquia, onde os papéis de educador e de educando devem estar bem definidos e ser respeitados;
7. é muito importante o envolvimento da comunidade escolar e da sociedade como um todo, nos projetos e processos de reforma escolar/educacional; afinal, a sociedade será a destinatária última de toda e qualquer reforma escolar;
8. profissionais motivados, respeitados, bem remunerados são pressupostos de qualquer reforma que se pretenda implementar.

Considerações finais
A proposta de reorganização do Ensino Fundamental em três ciclos com progressão continuada nas escolas estaduais paulistas deverá ser discutida nas escolas e Diretorias de Ensino, de modo a possibilitar o levantamento das dúvidas ainda existentes sobre o assunto e as condições necessárias para sua execução, especialmente em relação à recuperação paralela.
Para orientar essa discussão, encaminhamos o roteiro abaixo. Com base nele, cada escola deve fazer sua discussão, com a participação dos professores, professores coordenadores e gestores, e, a seguir, encaminhar o relatório resultante para a Diretoria de Ensino. Caberá às Diretorias consolidar os relatórios de suas escolas e encaminhar à CENP documento conclusivo sobre as principais dúvidas e demandas para a reorganização do ensino em ciclos com progressão continuada nas escolas.
(...)

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